terça-feira, 21 de outubro de 2014

Uma chinesinha bem igualzinho a tantas brasileirinhas.

WÁNG CUÌ – SUZI

 
Minha querida Suzi

Wang Cui (pronuncia-se uán tsuei) é miúda, fala baixinho com voz fininha e dá risadinhas encabuladas com a mão cobrindo parte da boca. Como muitos chineses que lidam com estrangeiros, acabou adotando um nome ocidental. Foi uma cliente italiana, uma das suas primeiras, que olhou bem para ela e disse: Suzi. Ela afirma que gostou porque era fácil de pronunciar além de ser curto. "Suzi, que seja!" Pensou. E Wang (nome de família) Cui (seu primeiro nome) virou apenas Suzi em Pequim, capital da China.


Ela nasceu no dia 11 de junho pelo calendário ocidental, mas a data na qual comemora seu aniversário é o dia 16 de maio de acordo com o calendário chinês. Nasceu numa vila de agricultores que tem hoje mais ou menos 2.500 habitantes – nadinha em termos de China – chamada Gong Niu Chang na Província de HeBei ao sul de Pequim. Apenas dois dias depois de sair da escola ao final do cumprimento dos anos que são obrigatórios, aos 16 anos (17 na vila, a contagem é feita desde da concepção) ela partiu para a capital. Seus pais apoiaram sua decisão pois queriam que ela tivesse chance de arranjar um trabalho melhor e especialmente mais rentável. Tipicamente, na sua vila às meninas é ensinado o ofício do corte e costura e aos meninos cabe a marcenaria. Mas já havia costureiras demais na família. 

Vila onde a Suzi foi criada.
 Em Pequim foi morar com uma prima que já se encontrava trabalhando na cidade. Foi ela quem ensinou a Suzi a fazer unhas, manicure e pedicure, que é seu ganha-pão até hoje. A Suzi trabalhou primeiro em salões de beleza, mas quando sua prima engravidou e ganhou bebê, a Suzi começou a substituí-la indo até a casa de seus clientes. Hoje ela tem sua clientela própria: com exceção de uma cliente chinesa casada com um alemão, todas são estrangeiras e a grande maioria brasileiras. 

Elas lhe trazem esmaltes do Brasil (os da China sao muito ruins e os bons importados são muito caros!) e outros produtos de manicure made in Brazil. Acho que dão a sensação de conforto para as clientes. Na verdade, a gente não encontra nada no mercado mundial que substitua à altura aquele basiquinho famoso em todo o Brasil, você sabe qual, não é? A Suzi tem estoque!

A Suzi fala um tanto de inglês que aprendeu na escola e continua estudando e praticando com a estrangeirada. Quando tem apenas uma ou duas clientes num dia, ela vai de bicicleta elétrica, mas geralmente vai trabalhar de ônibus. Às vezes tem que pegar até taxi. Ela trabalha de segunda a segunda, não tem sábado nem domingo. Se a cliente chamar, ela vai. Seu jeito de fazer as unhas também é especial: parece que ela está pintando porcelana. Não borra nunca, não usa aqueles palitos tipo cotonetão para limpeza do excesso. Ela não precisa, de tanto o cuidado e a delicadeza. Nunca tira bifes!

O irmão Wang Hui – Steven – também é manicure, mas prefere trabalhar num salão. Ele é casado e mora em Pequim com a mulher. Eles têm uma filha de 4 anos, Wang Xing Kai, que mora com os pais dele em Gong Nui Chang. Ele vai ver a filha uma vez por ano no feriado do Ano Novo Chinês.

As comemorações do Ano Novo duram mais de uma semana e é quando as famílias reúnem todos os seus membros espalhados que estão morando em outros lugares. Wang Hui é mais velho que a Suzi, é seu guêguê. Na época em que a Suzi nasceu a política do filho único imposta pelo governo era ainda mais rígida, então sua família deu um jeitinho chinês para o problema: "transferiram" a certidão de nascimento de Wang Hui para o irmão de seu pai que não tinha filhos. Oficialmente, Wang Hui virou filho do seu tio paterno. Isso não chega assim a ser um grande problema, afinal em chinês a palavra para primos de primeiro grau e irmãos é a mesma.

A Suzi mora com o namorado, Wu Long Gang que não tem nome ocidental e é operário em uma fábrica em Pequim. A vila de onde ele vem, no mesmo “município’’ que o dela, tem 6 mil habitantes. Ele veio para Pequim para ficar com a Suzi. Antes de Long Gang a Suzi teve outros dois namorados em Pequim, ambos da sua terra natal. A maior parte dos seus amigos é de lá, uns poucos são de outras cidades do interior da China. Não tem amigos da capital, “eles falam esquisito” segundo a Suzi (eu que o diga!)

Nas horas livres ela gosta de ver televisão e dormir se está muito cansada (lembrando: cochilar ou descansar, xiu xi, é uma instituição social muito respeitada na China). Quando o namorado não está em casa ela gosta de sair com amigas para ir guang guang, isto é, olhar vitrines e lojas e se se empolgar com alguma coisa, comprar. Ela gosta de música pop chinesa. Não ouve música estrangeira porque segundo ela, "não entendo direito o que eles estão falando".

A Suzi tem planos muito sérios para o futuro. Ela quer se casar com o Long Gang, ter dois filhos e abrir um salão com seu irmão. Para isso tem que superar alguns desafios. Os pais não querem que ela se case com Long Gang. Isso realmente a entristece. Todos os anos, à época da colheita ela volta para sua vila para ajudar os pais no trabalho do campo. Dessa última vez ela aproveitou a viagem para levar o namorado Long Gang para ser apresentado aos pais e pedir sua aprovação para o casamento. Não deu! Os pais conhecem a história da família do rapaz cujo pai é doente. O velho Wu ficou viúvo com um filho pequeno e casou-se novamente com uma mulher que já tinha uma filha. Ela, no entanto, havia deixado o primeiro marido que era beberrão, jogava cartas a dinheiro e ainda por cima batia nela. Como na China a tradição é que os avós paternos cuidem dos netos, a família da Suzi teme que sua sogra não saiba ser generosa com ela e com seus filhos. Por isso, a Suzi tem estado bem triste. Na ocasião, seus pais chegaram mesmo a lhe apresentar outro pretendente da vila, mas não deu liga. A Suzi ama Long Gang. Resolveu que vai esperar....quem sabe os pais mudam de ideia um dia. Quem sabe eles desistam de encontrar outro pretendente para ela. Quem sabe achem que ela está ficando velha e que é melhor casar com o Long Gang do que ficar solteirona. Quem sabe... os olhos da Suzi ficam mareados quando ela fala sobre isso.

O plano de ter dois filhos e o de abrir um salão estão interligados. Seus pais, e também ela e o irmão em menor medida, vem juntando dinheiro para que possam abrir seu negócio. Assim, ela pode ter seus dois filhos e pagar uma babá para cuidar deles sem ter que mandá-los para morar com os pais do Long Gang em Gong Niu Chang.

Só podemos torcer para que a vida seja generosa com a Suzi....ela merece. Nós merecemos! Porque, apesar de morar no outro lado do planeta, ela chora e sorri como todas nós (só que cobre a boca). A pequena Wang Cui estuda, trabalha, se apaixona e luta igualzinho a tantas brasileirinhas. E igualzinha a tantas brasileirinhas nem imagina quantas meninas e mulheres no mundo compartilham as mesmas angústias e também os mesmos sonhos. 

PS: Encontrei este texto que havia escrito há alguns anos, um tempo depois de ter conhecido a Suzi, e resolvi publicar. A Suzi e o Long Gang se casaram.  Meu marido e eu fomos os únicos convidados não chineses da festa!!!!!! Estão planejando um filho para o próximo ano.  :)

4 comentários:

  1. Adorei! É um belo exemplo da nova classe média chinesa! Vida longa à família de Suzi e Long Gang!

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  2. Muito bonito e comovente esse relato, Glaucia. Quando entendermos e aceitarmos um pouco mais que os outros têm medos e anseios semelhantes aos nossos, quer tenham nascido aqui ou ali, a Terra será um lugar melhor pra se viver. Bjs, Stela

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