WÁNG CUÌ –
SUZI
Wang
Cui (pronuncia-se uán tsuei) é miúda, fala baixinho com voz fininha e dá
risadinhas encabuladas com a mão cobrindo parte da boca. Como muitos chineses
que lidam com estrangeiros, acabou adotando um nome ocidental. Foi uma cliente
italiana, uma das suas primeiras, que olhou bem para ela e disse: Suzi. Ela afirma que gostou porque era
fácil de pronunciar além de ser curto. "Suzi, que seja!" Pensou. E Wang (nome
de família) Cui (seu primeiro nome) virou apenas Suzi em Pequim, capital da
China.
Ela
nasceu no dia 11 de junho pelo calendário ocidental, mas a data na qual
comemora seu aniversário é o dia 16 de maio de acordo com o calendário chinês.
Nasceu numa vila de agricultores que tem hoje mais ou menos 2.500 habitantes
– nadinha em termos de China – chamada Gong Niu Chang na Província de HeBei ao
sul de Pequim. Apenas dois dias depois de sair da escola ao final do
cumprimento dos anos que são obrigatórios, aos 16 anos (17 na vila, a contagem é
feita desde da concepção) ela partiu para a capital. Seus pais apoiaram sua
decisão pois queriam que ela tivesse chance de arranjar um trabalho melhor e
especialmente mais rentável. Tipicamente, na sua vila às meninas é ensinado o
ofício do corte e costura e aos meninos cabe a marcenaria. Mas já havia
costureiras demais na família.
Em Pequim foi morar com uma prima que já se encontrava trabalhando na cidade. Foi
ela quem ensinou a Suzi a fazer unhas, manicure e pedicure, que é seu ganha-pão
até hoje. A Suzi trabalhou primeiro em salões de beleza, mas quando sua prima engravidou e ganhou bebê, a Suzi começou a substituí-la indo
até a casa de seus clientes. Hoje ela tem sua clientela própria: com exceção de uma cliente chinesa casada com um alemão, todas são
estrangeiras e a grande maioria brasileiras.
Elas lhe trazem esmaltes do Brasil
(os da China sao muito ruins e os bons importados são muito caros!) e outros
produtos de manicure made in Brazil. Acho que dão a sensação de conforto
para as clientes. Na verdade, a gente não encontra nada no mercado mundial que
substitua à altura aquele basiquinho famoso em todo o Brasil, você sabe qual, não
é? A Suzi tem estoque!
A
Suzi fala um tanto de inglês que aprendeu na escola e continua estudando e
praticando com a estrangeirada. Quando tem apenas uma ou duas clientes num dia,
ela vai de bicicleta elétrica, mas geralmente vai trabalhar de ônibus. Às vezes
tem que pegar até taxi. Ela trabalha de segunda a segunda, não tem sábado
nem domingo. Se a cliente chamar, ela vai. Seu jeito de fazer as unhas também é
especial: parece que ela está pintando porcelana. Não borra nunca, não usa
aqueles palitos tipo cotonetão para limpeza do excesso. Ela não precisa, de
tanto o cuidado e a delicadeza. Nunca tira bifes!
O
irmão Wang Hui – Steven – também é manicure, mas prefere trabalhar num salão.
Ele é casado e mora em Pequim com a mulher. Eles têm uma filha de 4 anos, Wang
Xing Kai, que mora com os pais dele em Gong Nui Chang. Ele vai ver a filha uma
vez por ano no feriado do Ano Novo Chinês.
As
comemorações do Ano Novo duram mais de uma semana e é quando as famílias reúnem
todos os seus membros espalhados que estão morando em outros lugares. Wang Hui
é mais velho que a Suzi, é seu guêguê.
Na época em que a Suzi nasceu a política do filho único imposta pelo governo
era ainda mais rígida, então sua família deu um jeitinho chinês para o problema: "transferiram" a certidão de nascimento de Wang Hui para o irmão de
seu pai que não tinha filhos. Oficialmente, Wang Hui virou filho do seu tio
paterno. Isso não chega assim a ser um grande problema, afinal em chinês a
palavra para primos de primeiro grau e irmãos é a mesma.
A
Suzi mora com o namorado, Wu Long Gang que não tem nome ocidental e é operário
em uma fábrica em Pequim. A vila de onde ele vem, no mesmo “município’’ que o
dela, tem 6 mil habitantes. Ele veio para Pequim para ficar com a Suzi.
Antes de Long Gang a Suzi teve outros dois namorados em Pequim, ambos da sua
terra natal. A maior parte dos seus amigos é de lá, uns poucos são de outras
cidades do interior da China. Não tem amigos da capital, “eles falam esquisito”
segundo a Suzi (eu que o diga!)
Nas
horas livres ela gosta de ver televisão e dormir se está muito cansada (lembrando:
cochilar ou descansar, xiu xi, é uma
instituição social muito respeitada na China). Quando o namorado não está em
casa ela gosta de sair com amigas para ir guang
guang, isto é, olhar vitrines e lojas e se se empolgar com alguma coisa,
comprar. Ela gosta de música pop chinesa. Não ouve música estrangeira porque
segundo ela, "não entendo direito o que eles estão falando".
A
Suzi tem planos muito sérios para o futuro. Ela quer se casar com o Long Gang,
ter dois filhos e abrir um salão com seu irmão. Para isso tem que superar
alguns desafios. Os pais não querem que ela se case com Long Gang. Isso realmente
a entristece. Todos os anos, à época da colheita ela volta para sua
vila para ajudar os pais no trabalho do campo. Dessa última vez ela aproveitou
a viagem para levar o namorado Long Gang para ser apresentado aos pais e pedir
sua aprovação para o casamento. Não deu! Os pais conhecem a história da família
do rapaz cujo pai é doente. O velho Wu ficou viúvo com um filho pequeno e
casou-se novamente com uma mulher que já tinha uma filha. Ela, no entanto,
havia deixado o primeiro marido que era beberrão, jogava cartas a dinheiro e
ainda por cima batia nela. Como na China a tradição é que os avós paternos
cuidem dos netos, a família da Suzi teme que sua sogra não saiba ser generosa
com ela e com seus filhos. Por isso, a Suzi tem estado bem triste. Na ocasião,
seus pais chegaram mesmo a lhe apresentar outro pretendente da vila, mas não
deu liga. A Suzi ama Long Gang. Resolveu que vai esperar....quem sabe os pais mudam
de ideia um dia. Quem sabe eles desistam de encontrar outro pretendente para
ela. Quem sabe achem que ela está ficando velha e que é melhor casar com o Long Gang do
que ficar solteirona. Quem sabe... os olhos da Suzi ficam mareados quando ela
fala sobre isso.
O
plano de ter dois filhos e o de abrir um salão estão interligados. Seus pais, e
também ela e o irmão em menor medida, vem juntando dinheiro para que possam
abrir seu negócio. Assim, ela pode ter seus dois filhos e pagar uma babá para
cuidar deles sem ter que mandá-los para morar com os pais do Long Gang em Gong
Niu Chang.
Só
podemos torcer para que a vida seja generosa com a Suzi....ela merece. Nós
merecemos! Porque, apesar de morar no outro lado do planeta, ela chora e sorri
como todas nós (só que cobre a boca). A pequena Wang Cui estuda, trabalha, se
apaixona e luta igualzinho a tantas brasileirinhas. E igualzinha a tantas
brasileirinhas nem imagina quantas meninas e mulheres no mundo compartilham as
mesmas angústias e também os mesmos sonhos.
PS: Encontrei este texto que havia escrito há alguns anos, um tempo depois de ter conhecido a Suzi, e resolvi publicar. A Suzi e o Long Gang se casaram. Meu marido e eu fomos os únicos convidados não chineses da festa!!!!!! Estão planejando um filho para o próximo ano. :)
Adorei! É um belo exemplo da nova classe média chinesa! Vida longa à família de Suzi e Long Gang!
ResponderExcluirGanBei!
ExcluirMuito bonito e comovente esse relato, Glaucia. Quando entendermos e aceitarmos um pouco mais que os outros têm medos e anseios semelhantes aos nossos, quer tenham nascido aqui ou ali, a Terra será um lugar melhor pra se viver. Bjs, Stela
ResponderExcluirTambém acredito, Stela. Bjs.
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