terça-feira, 3 de junho de 2014

"Nós" primeiro, "eu" depois.

Em "nosso mundo" os direitos do indivíduo são uma pedra angular da formação do pensamento e dos nossos valores. Temos o direito de ser e fazer, de nos manifestar ao mundo como seres autônomos, com vontades  e desejos próprios que devem ser respeitados por todos os outros indivíduos. Cada um se enxerga no mundo como um ser inteiro com autonomia própria e, pelo menos em tese,  o principal responsável por suas escolhas. 
 
A percepção do próprio "eu" (self awareness) entre ocidentais - azul- e orientais - vermelho

Herdamos tais valores do Humanismo, do Iluminismo, da Revolução Francesa, do liberalismo norte-americano. Ora bolas, a China nunca passou por nada parecido com estes movimentos ou revoluções. O mais conhecido pensador  da China é Kong Zi, ou melhor, Confúcio, que viveu há meio século antes de Cristo (há também o Taoismo e o Legalismo, duas outras grandes correntes de pensamento chinês, mas aqui não é o lugar para nos estendermos). O que Confúcio produziu, grossíssimo modo, foi um manual baseado em rígidos princípios éticos e morais  para orientar o comportamento dos indivíduos em sociedade. Cada um em seu lugar e desempenhando o papel esperado para que o mundo fique numa ordem hierárquica e harmônica. Deste modo, todos são parte de um grande todo que funciona como uma coisa inteira e coesa respeitando o lugar das coisas e das pessoas e produzindo a Grande Harmonia. Claro que este mundo perfeito confuciano é um ideal e está longe de ser realidade. Mas, o mais importante é que ele contém os valores fundamentais que orientam a moralidade e a vida na China.

Aqui, e em quase todas as sociedades asiáticas, a hierarquia social e os deveres para com o coletivo se sobrepõem às vontades do indivíduo.  O peso das obrigações sociais é muito maior do que o de seus direitos individuais. Na mentalidade dos chineses esta ordem de importância (1º as obrigações com a comunidade; 2º as vontades individuais) é preponderante e inquestionável. Saber isto é fundamental para compreender melhor a China.

Escultura em Xangai.
Diferente de nós que nos vemos como unidades independentes que se integram para agir com outras unidades independentes, um chinês jamais pensa em si mesmo como um ser unitário, independente dos outros seres. Ele é sempre um pedaço de algo maior, de uma coletividade que funciona coordenando as partes. Desta forma, o seu papel é parcial, sua responsabilidade sobre o todo também o é. Sua parcela de contribuição para o sucesso ou fracasso, também. Ele não é UM, ele é um pedaço de um todo, este sim independe das suas vontades individuais. A principal obrigação do indivíduo é contribuir para que este todo funcione de maneira harmônica.

Este é mesmo um marco (milestone) que orienta a visão de mundo e os valores culturais e morais na China. Compreender esta diferença ajuda em muito a interpretar os comportamentos dos chineses em várias situações que, para nossos padrões, parecem ser apenas mais chinesices. 
Ming bai le ma (entendeu)?

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